A grande interrogação proposta é se poderá haver uma presunção de que há qualquer coisa para ensinar, para transmitir, no que à arte diz respeito.

A decisão de, pelo menos, tentar manter as incoerências próprias de um diálogo deste género feito em conjunto é a única justificação para o título do espectáculo, mesmo que estas incoerências se percam depois de cada um dizer o que pensa.

São estes momentos de incoerência que são o centro da discussão. São opiniões directas atiradas à cara do investimento de sentido que cada um faz e que está permanentemente sujeito a mudanças, um processo que se opera através do colapso do investimento dos outros.

Entre concordância e discordâncias o que se tenta enfatizar, talvez apenas simbolicamente, é mesmo uma mudança. Uma mudança visível inserida dentro da certeza que é necessária para passar conhecimento artístico.

Ch-ch-changes, pretty soon now you’re gonna get a little older

David Bowie

31 de maio de 2010

FE FE FE FESTAAAAAA!!



Hora de início: Quarta-feira, 2 de Junho de 2010 às 23:00
Fim: Quinta-feira, 3 de Junho de 2010 às 4:00
Local: Bar do Cais - Cais do sodré
Rua: Rua Nova do Carvalho 47 (Cais do Sodré, ao pé do music box do lado esquerdo)

Entrada: 5 Abbas

Confirma, Aparece e Divulga!

8 de maio de 2010

Nós vamos ser o Quarteto!

O Quarteto Fantástico entra em palco...

Boa noite. (Pausa) Olá. (Pausa) Boa noite. Boa noite. (Pausa) Nós somos o Quarteto Fantástico. (Pausa) E somos os maiores. Nós fazemos a diferença. Nós vamos fazer toda a diferença. Depois de nós nada vai ser igual. Este espaço é nosso. (Pausa)Estes são os nosso 1415 minutos de fama. O nosso papel aqui e agora é fundamental para o sucesso da nossa missão. Sem nós a cena morre.(Pausa) Quando nos juntámos em 1999 foi com um objectivo. (Pausa longa) Tornar o mundo num sitio melhor. A better place for you and for me and the entire human race. Sem nós isto não é possível. A melhor cena de teatro do mundo será aquela … que for. Nós fazemos toda a diferença. Somos os únicos com capacidade para salvar este momento. Uma série de cenas incríveis e fantásticas. (Pausa) Mas nós não somos os maiores por acaso. Isto ensaio, não é encenado, não é nenhuma pesquisa. Isto é " a coisa ". Para isto que está aqui acontecer ser possivel, para gozarmos dos nossos 1415 minutos de fama seguimos à risca uma técnica milenar, alicerçada em regras rígidas e intransponíveis.


- Não bloquear, arriscar sem pensar nas consequências;
- Ter a capacidade em surpreender-se e surpreender o director/professor/colegas;
- Querer e saber usar o seu inventário (memorias pessoais, vida pessoal, presente, …);
- Ser humilde, trabalhador e pontual;
- Ter a capacidade de auto-critica e de criticar os outros construtivamente;
- Ter a capacidade de brincar e de não se levar demasiado a sério;
- Ser activo, participativo e autónomo;
- Ser Experiente em várias técnicas de aquecimento e ter desenvolvido o seu próprio método de aquecimento;
- Não ter preconceitos em experimentar propostas novas;
- Estar receptivo a recomeçar do zero, sempre que necessário;
- Estar aberto a múltiplas repetições;
- Ser rigoroso;
- Ter capacidade em verbalizar e em expor as suas ideias publicamente;
- Ser generoso para com os colegas e colaboradores;
- Realizar as propostas pedidas na data indicada;
- Capacidade de se dirigir e dirigir os outros;
- Capacidade de resolver pequenos problemas técnicos;
- Capacidade de encontrar soluções ao nível artístico e técnico rapidamente e com eficácia;
- Ter um imaginário forte;

Por exemplo, o meu Super-Herói preferido é o Super-Homem (...)

Abba abba abba





Entrevistador do Além
Nunca vi dois casais que ficassem tão bem um com o outro.
Aqui temos Bjorn e Agnetha e deste lado o outro casal Frida e Benny.

Ana Marta
Essa resposta é… de mentira!
Não, eles estão trocados…

Emilio
Es mejor que cambiemos de lugar.

Entrevistador do Além
Desculpem, não tinha reparado.
(risos)
Agora sim, já não me enganam. Este é o Bjorn, não… e este o Benny.
(para Marta Frida) Bom, qual o nome do teu bebé?

Marta
Hmm, não fuí eu quem teve um filho… A Agnetha é que foi mãe.

Entrevistador do Além
Ah, deste lado é que temos a mãmã.

Ana Marta
Sim..

Entrevistador do Além
Quantos meses é que tem o bebé?

Ana Marta
Dois meses.

Entrevistador do Além
Ouvi dizer que ele já consegue falar.

Ana Marta
É verdade.

Entrevistador do Além
E o que é que ele diz?

Ana Marta
Abbabbabbabbabba…

(entrada do vídeo manipulado)

Emilio (pegando em roupas ou adereços)
Prefieren este, o mejor este?

 Marta
Os Abba usam as roupas mais foleiras que alguma vez se viu. Para mim os Abba já estão “out” há muito tempo, e o estilo deles já foi à vida! A malta nova nunca se irá identificar com isto. Alguém concorda comigo?

Ana Marta
Não sei qual é o teu conceito de popularidade, mas espero que não abranja apenas as gerações mais novas… porque todas contam. E se fizesses um inquérito na rua acho que te irias surpreender com o resultado, porque já toda a gente ouviu falar dos Abba!

Emilio
Oh, pero los ABBA son tan graciosos! Siempre seran una referencia en la historia de la musica POP! Mas alla de eso, uno de los exitos de este verano fue un remake del “Gimme, gimme, gimme (TODOS: a man after midnight)”,con un estilo dance, pero la base musical y la letra eran iguales a la version original. Y aun mas, puedo apostar que en estos ultimos 5 años, los ABBA vendieron mas discos en Portugal que cualquier otra banda! Para mi, los ABBA seran siempre un marco !

Ana Marta
Para mim os Abba, serão sempre um Emilio.

Marta
Para mim os Abba, serão sempre um Paulo.

Emilio
Para mi los Abba serán siempre las martas……no! Las dos Martas.

Ana Marta
Às vezes penso se os ABBA faziam videoclips das suas músicas por coincidência ou se tinham alguma espécie de conhecimento secreto sobre a industria que a MTV viria a criar. Na realidade, isto tem uma cenografia horrível mas a música é fantástica! Isto foi feito há trinta anos, mas continua a ser cativante e cheio de vida!

Marta
Ok, para ti é isso e para mim é outra coisa, são duas opiniões diferentes. Não é a repetir sempre o que já dissemos que vamos mudar as ideias do outros, prefiro quando alguém dá a sua opinião e depois  deixa os outros falar. É que estar sempre a bater no ceguinho, soa-me a tentativa de manipulação de opiniões…

Emilio
Creo que esta discusión es perfectamente inútil. Quizás deberiamos enfocarnos en aquello que realmente interesa: Esto és una obra maestra! En  sério, cuando fué  la última vez que viste una cosa tan buena? Creo  que el  video tiene calidad  para ser pasado en cualquier lado.

Ana Marta
É uma das minhas músicas de ano novo favoritas de sempre! Ahhhh os anos 80! Quem e que se cansa dos ABBA?! Eu acho que ninguém com bom gosto musical consegue! Este clássico é o meu favorito de todos os tempos, traz-me recordaçõees pessoais com os meus amigos de infância, e agora com o meu filho. E sei que muitas pessoas no Mundo sentem o mesmo.

Emilio
Soy incapaz de no sonreir cuando veo este video y la simple idea de hacer un remake de esto es un insulto para los fans. Los propios ABBA no soportarian que se hiciese esto y pensarian que es muy flojo...
Y hablando de esto, alguien me ayuda a colgar los globos que faltan?

Marta
Mas o trabalho dos ABBA é conhecido muito devido às milhares de homenagens que foram feitas ao longo dos tempos.

Ana Marta
Os  videos originais não são sagrados; remakes e covers são um dado adquirido e sempre foram. Lembrem-se que o que estamos a fazer não se trata de alguém usar directamente uma obra de arte. É uma reinterpretação e é mesmo muito boa!

Emilio
Vamos, esto esta muy lejos de ser un robo. La cópia ha sido , de hecho, un motor inagotable de la creacion desde el inicio de los tiempos. Estoy muy convencido de mis influencias.

Marta
Eu tenho mais problemas em aceitar aquele género de directores ou realizadores que pegam numa ideia embrionária e e em vez de a desenvolverem transformando-a eventualmente  numa ideia original limitam-se a reinterpretar.

Ana marta
Ok, talvez seja este o ponto de conflito no nosso trabalho, mas eu não posso deixar de considerar que esta abordagem não só é fácil como é um trabalho preguiçoso, e eventualmente até um triste comentário ao estado da criatividade nos nossos dias.

Marta
Mas vocês são tão ingénuos. Já nada é original. Copiar é  o combustível da imaginação. Então e na música, por exemplo? Lembrem-se do que Jean-Luc Godard disse: "Não é onde vais buscar as coisas, mas até onde é que a consegues levar”.

Ana Marta
Não desculpa, para mim trata-se de pirataria. Além disso estás a prestar um mau serviço à comunidade. A minha atitude em relação a este assunto é, se realmente queres fazer uma performance originalmente feita por outra pessoa, é bom que a trates com respeito. Tens de ter algumas regras.

Emílio
Discrepo, los conceptos no son sagrados. Los  remakes y las covers son prácticas comunes. Y mas alla de eso, aqui no tratamos de usar la idea de alguien pero si reinterpretarla, y perdona que te diga...pero esto es de putisima madre.

Ana Marta
Sim e aqui os Abba têm a oportunidade de ver o seu trabalho ter uma visibilidade completamente diferente.
Suponho que se possam sentir um pouco amargurados por nos verem a receber todos os louros por este trabalho, mas também estou certa que se as pessoas gostarem irão, com certeza, procurar o original.

Emílio
Este vídeo está muy  lejos de ser un robo.

Marta
Esta é daquelas discussões que eu tanto adoro como odeio. Sei perfeitamente onde é que isto vai parar. Ou seja a lado nenhum. Mas eu vou dizer em falsa defesa que é muito provável que venhamos a fazer muito pouco dinheiro com isto, se é que conseguimos algum.

Ana Marta
A apropriação quando é bem feita e respeita o autor pode ser brilhante e ainda superar o original.

Emilio
Despierta mujer. que vosotras seais amigas no significa que tengas que ser benevolentes ser benevolente. Despues no te quejes el dia que te robe el novio.

Marta
Eu acho completamente hilariante que lá por alguns artistas tenham feito milhões por causa das suas apropriações como Warhol por exemplo, as pessoas se tornem cegas a este tipo de prática.

Emílio
Lo siento pero no, discrepo por que de esa forma el arte dejaria de existir. Todo ha sido hecho de alguna forma. Nada és original. Asi que roba donde tu inspiracion te lleve o de donde tu imaginacion se alimenta. Devora peliculas antiguas, peliculas reciente, música, libros, pinturas, fotografias, poemas, sueños, conversaciones banales, arquitectura, puentes, señales de trâfico, àrboles, nubes, lagos, luces y sombras. Roba solo aquello que hable directamente a tu alma. Si lo haces asi, serás autêntico. La autenticidad es inestimable, la originalidad no existe. Y no pierdas tiempo a esconder tu roubo – celebralo si te apetece.

Ana Marta
O que é hilariante é tua compreensão! Nós não estamos aqui a discutir o que o homem das cavernas roubou ao vizinho. Não se trata da apropriação do fogo que o Homem descobriu. Trata se da apropriação de um trabalho feito por outro criador ser usado sem que este tenha dado autorização.

Emilio
Ahora bien, cada vez que veo este video, surjen mas y mas cuestiones , y honestamente cada vez gusto mas de el!


Depois de nós nada vai ser igual

7 de maio de 2010

LCD Soundsystem - Drunk Girls

Entrevista: Erwin Wurm "I Love My Time, I Don't Like My Time"

Paulo: Yes. Definitely,yes.


Rute: What is Quality?

Paulo: How can I define Quality?

Rute: Basically, they can do anything.

Paulo: Can You teach Art?

Rute: Can I What?

Paulo: To Connect to the Work, to the rest of the World.

Rute: To the World.

Paulo: To Philosophy.

Rute: To Psychology

Paulo: To the Art World.

Rute: I Want Variety.

Paulo: Many different Options.

Rute: They Talk about their Work.

Paulo: That’s very good.

Rute: Work about Laziness.

Paulo: I’m very interested in Laziness.

Rute: I always need the feeling that I have nothing to do.

Paulo: Need to have the feeling I don’t know what to do.

Rute: Yes, I answer the phone.

Paulo: I can walk around.

Rute: I have no spare Time.

Paulo: I need this kind of attitude.

Rute: They need a lot of Time.

Paulo: They need Time. They need a lot of Time.

Rute: Failures are an important part of this.

Paulo: I also believe very much in doubt.

Rute: It’s really fantastic.

Paulo: To have space somewhere just to get things out of my head and not be constantly preoccupied with it.

Rute: I realize to be lazy does not necessary mean that you forget things.

Paulo: I don’t need that.

Rute: I would denied

Paulo:I would leave

Rute: I do this one day a week

Paulo: What happens if it’s too much?

Rute: I have no free time.

Paulo:I have no space to thing about the rest, to deal with my life.



Mission 1

6 de maio de 2010

Era Uma Vez Uma Ovelhinha Chamada Chris

Quando é que as pessoas vão acordar e perceber que não existe uma definição absoluta para “rapaz” ou “rapariga”?
As pessoas perguntam-me: “porque é que usas maquilhagem?” Eu digo: “Eu uso maquilhagem pela mesma razão que cago. O meu corpo diz-me para cagar, a minha cabeça diz-me para usar maquilhagem”. O que as pessoas não conseguem perceber é que não é o que tu vestes, não é o que pões na cara que te faz ser aquilo que és. É aquilo que tens na cabeça que faz de ti aquilo que és. E infelizmente... Não há muita gente por aí com muita coisa na cabeça.
Porque o que interessa mesmo é que tu o descubras por ti próprio.
As pessoas deixam que aquilo que vestem as defina, ok? Deixam que as roupas as definam. Alguma vez pensaram na diferença entre umas calças, tipo, jeans e um vestido? E porque é que uns são para homem e o outro para mulher? Não há problema se uma mulher usar calças, certo? Mas um homem já não pode usar um vestido. Alguma vez pensaram porquê? É só tecido, queridos. É só design.
Eu não posso desprezar as pessoas só porque elas fazem coisas que às vezes estão em contraste absoluto com o que eu próprio penso.
Não tenho que gostar do trabalho, não tenho que me importar com ele. Não tenho que o perceber. Gosto de variedade. Não quero que sejam todos o mesmo.
Essa é a diferença! E digam-me: É só... A diferença é o design, ok? Qual é a diferença entre um Homem e uma Mulher? Design! Um tem mais pêlo que o outro, um tem um bocado de carne que o outro não tem. É design, ok?
Isto parece muito simples, mas na verdade é muito difícil as pessoas sentirem-se confortáveis com isto. Não é que elas sintam que o que fazem é mau, ou descarado, ou pouco valioso. É, muitas vezes, porque aquilo em que és melhor é o que valorizas menos. Então esta liberdade de que falo tem a ver com ajudar alguém a reconhecer que aquilo que faz, aquilo que lhe é fácil fazer, é exactamente o que devia fazer.
E mais do que discutir se somos Homens ou Mulheres, devemos pensar em nós como pessoas. Se somos boas pessoas, ok?
Mas para muita gente não importa se és uma boa pessoa. Eles importam-se com aquilo com que podem gozar. Para se fazerem notar.
E há coisas que só podes aprender... aprendendo.
E, sabem... no que me diz respeito... A minha pila não me define. A minha pila não define a minha alma. E é mesmo assim.
Isto não tem a ver com grandes filosofias. Se eu quero usar maquilhagem, vou usar maquilhagem.
Nunca achei que as pessoas devessem justificar fosse o que fosse. Não percebo isso. A ideia de falar sobre o que se faz, isso eu penso que é interessante. Mas a ideia de que isso equivale a dar justificações, isso já é muito diferente. Oponho-me totalmente a essa ideia.
E isto é o que torna tudo real, isto é o que torna tudo perigoso e vibrante. Isto é o que torna tudo excitante e emocionante. É daqui que vem tudo o que torna as coisas importantes. Nada disto vem da procura incessante pelo moralmente correcto.

5 de maio de 2010

Chamemos-lhes Luísa e Guida, Por Agora (primeira parte)


P - Nasceu com uma deficiência na mão direita e no braço direito e um certo voluntarismo dos seus pais reagiu, um voluntarismo efectivamente espantoso, que foi o de o terem forçado a escrever com a mão direita. Creio que lhe prendiam a mão esquerda atrás das costas para o obrigar a escrever com a mão direita. Hoje em dia, isso seria absolutamente incompreensível!

R - Um sistema familiar ajuda a lidar com pessoas a um nível mais pessoal, mais individual. É uma espécie de sistema de confiança.
Mas o que importa mesmo é que descubras as coisas por ti.
Os outros não têm de seguir a minha forma de pensamento. Até estou mais interessado em que me provem que estou errado em certas coisas. Trata-se de ter uma discussão de forma a nos ensinarmos uns aos outros. É disso que estou à espera, que tragam algo que me ensine igualmente.
Isto parece muito simples, mas na verdade é muito difícil as pessoas sentirem-se confortáveis com isso. Não é que elas sintam que o que fazem é mau, ou descarado, ou pouco valioso. É, muitas vezes, porque aquilo em que és melhor é o que valorizas menos. Então esta liberdade de que falo tem a ver com ajudar alguém a reconhecer que aquilo que faz, aquilo que é lhe é fácil fazer, é exactamente o que devia fazer.
Nunca achei que as pessoas devessem justificar fosse o que fosse. Não percebo isso. A ideia de falar sobre o que se faz, isso eu penso que é interessante. Mas a ideia de que isso equivale a justificar-se, isso já é muito diferente. Oponho-me totalmente a essa ideia.
Isso é o que torna tudo real, isso é o que torna tudo perigoso e vibrante. Isso é o que torna tudo excitante e emocionante. É daí que vem tudo o que torna as coisas importantes. Nada disso vem da procura incessante pelo moralmente correcto.

 P - Rilke diz algures, que as obras de arte são sempre o resultado de um risco incorrido, de uma experiência levada até ao fim. O que significa, no fundo, que em Rilke talvez haja essa ideia de que a partir duma cultura superficial há a possibilidade de construir uma verdadeira cultura. O que é que nos permite dizer que, a partir de um trecho de rap, não haverá a possibilidade de uma complexificação crescente, de integrar pouco a pouco nesse modo de expressão elementos cada vez mais elaborados?

R - Há com certeza. Mais: Penso mesmo que há possibilidades na minha mente que eu esqueci. Tenho possibilidades das quais me esqueci e tenho que me lembrar porque é que as esqueci.
Não gosto mesmo nada da imitação das coisas.
Mas não posso desprezar as pessoas só porque elas fazem coisas que às vezes estão em contraste absoluto com o que eu próprio penso.
Não tenho que gostar do trabalho, não tenho que me importar com ele. Não tenho que o perceber. Gosto de variedade. Não quero que sejam todos o mesmo.

P - Que parte do ser humano é cultura superficial e que outra parte é suficientemente profunda para resistir?

R - O que geralmente acontece com os estudantes, por exemplo, é que é tudo um pouco sobre contactos, é um pouco sobre diversão, e é sempre uma mistura fácil. É sempre arte, mas nunca é algo realmente interessante. Aconteceu-me algumas vezes que essas pessoas querem uma crítica pessoal passados três anos. E depois dizem-me que estão a pensar parar porque já não lhes desperta interesse. E frustram porque apenas estão a lidar com algo exterior, mas nunca arranjam tempo para desenvolverem as suas próprias coisas. Olhando para portfolios e entrevistando alunos, é relativamente simples de seleccionar porque 95 por cento dos portfolios parecem iguais, vê-se a mesma atitude, os mesmos clichés. Então são convidados para entrevista, e alguns são mais diferentes que outros, e esses são os escolhidos. É apenas sobre diferença.

 P - Isso quer dizer que você pensa que Diderot, que dizia que era necessário apressarmo-nos a tornar a filosofia popular, ou Brecht, que dizia que era necessário alargar o círculo dos conhecedores, se enganaram redondamente? Que as suas afirmações são votos piedosos, voluntaristas? Enganaram-se?

R – Não. As coisas transformam-se a toda a hora e a imagem que eu vejo não é a que tu vês; nós digerimos as coisas de maneiras diferentes e às vezes a merda sai, outras vezes, não. É neste sentido que eu quero ser mais livre do que antes... Esta é a informação para o futuro. Estou a aprender a dizer “não” às coisas, que não faço parte disto, ou “não vou participar nisso”. Tenho que aprender a dizer não a todas as pessoas que pretendem organizar a verdade da vida. Quero ensinar as pessoas a dizer “não”, “façam isso sem mim, não faço parte disso”.

 P - Podes ensinar a Arte?

R - Os alunos não se podem envolver no processo à espera de aprender uma receita de sucesso para a arte ou para o teatro, dada por mim.
Uma vez estava num seminário sobre Beuys e toda a gente tinha uma espécie de arrogância, eles queriam ser uma espécie de apóstolos de Beuys. E eu acho que os apóstolos, na verdade, mataram Jesus. Esse é o problema do ensino.
Pode-se falar sobre arte, ou ensinar os seus contornos exteriores, ou até as circunstâncias, mas por definição é praticamente impossível dizer-lhes o que isso é. Todos os artistas, novos ou velhos, que aparecem na arena da discussão, têm de fazer uma proposta de como entender a arte diferente de todos os outros. Como posso ensinar isso? Posso-lhes tentar ensinar certas estratégias para atingirem algum sítio como esse, mas não lhes posso dizer “é assim que tens de fazê-lo”.

P - Quais são os perigos da inércia? Vês muito disso no mundo da Arte e no mundo académico?

R - A inércia desperta quando usas a arte como uma receita para seres mais interessante do que eras antes.

P - Estás cansado do rótulo de Enfant Terrible?

R - Agora eu aceito melhor que não posso determinar ou controlar o progresso.

P - O ensino e a práctica, na tua opinião, são actividades distintas?

R - ...



Chamemos-lhes Luísa e Guida, Por Agora (segunda parte)


P - Nasceu com uma deficiência na mão direita e no braço direito e um certo voluntarismo dos seus pais reagiu, um voluntarismo efectivamente espantoso, que foi o de o terem forçado a escrever com a mão direita. Creio que lhe prendiam a mão esquerda atrás das costas para o obrigar a escrever com a mão direita. Hoje em dia, isso seria absolutamente incompreensível!

R - Pois bem, então é o que se passa hoje em dia que eu lamento! Se se compreender que uma pequena deficiência é, pelo contrário, um grande privilégio, quer dizer uma escola de esperança, uma escola da vontade. Cada progresso é objecto de registo. O facto de, para apertar os sapatos, ser necessário quase um ano de exercícios, quando havia fechos-éclair, diz bem aquilo de que estamos a falar. Ou seja, em vez de se dizer à criança: “Pobrezinho, vamos facilitar-te as coisas”, diz-se-lhe: “Tens muita sorte, vamos dificultar-tas.” Sem querer ser minimamente pretensioso, acredita, compreendi cedo, muito cedo, uma das máximas preferidas do meu pai (uma máxima de Espinosa) que diz que “a coisa excelente deve ser muito difícil”. Mas é verdade, sim. Não se trata de castigar - de maneira nenhuma. Hoje há uma terapia da facilidade. A luta pela resolução dos problemas de todos os dias; tive muita sorte em ter pais que o percebiam. Não havia nada de sádico nem de sinistro nisso, pelo contrário: quando chega o momento do sucesso, há um imenso riso de alegria.

P - Rilke diz algures, que as obras de arte são sempre o resultado de um risco incorrido, de uma experiência levada até ao fim. O que significa, no fundo, que em Rilke talvez haja essa ideia de que a partir duma cultura superficial - vou chocá-lo - há a possibilidade de construir uma verdadeira cultura. O que é que nos permite dizer que, a partir de um trecho de rap, não haverá a possibilidade de uma complexificação crescente, de integrar pouco a pouco nesse modo de expressão elementos cada vez mais elaborados?

R - Oxalá você tivesse razão! O meu instinto diz-me que uma equação não-linear, uma fuga de Bach, uma passagem de Platão, de Descartes ou de Kant, um quadro de Giorgione, nunca serão um produto de massa. Talvez tenhas razão, mas o teu exemplo de rap, se me é permitido falar com toda a franqueza, é infeliz! Porque o rap associa-se, precisamente hoje, ao que há de mais assassino nas nossas civilizações urbanas. O rap (como o Heavy Metal) é a própria voz da violência, da brutalização do indivíduo.

P - Que parte do ser humano é cultura superficial e que outra parte é suficientemente profunda para resistir?

R - Há um belo termo, que vem do latim, de praepotens: tentar impor o seu conhecimento. A cultura é qualquer coisa de extremamente elitista. “A verdade pertence a muito poucos.” Verifica-se que, neste planeta, noventa por cento dos seres humanos preferem (e estão no seu pleno direito) a televisão mais idiota, a lotaria, a Volta a França, o futebol, o bingo a Ésquilo e a Platão. Durante toda a vida esperamos estar enganados e mudar esta percentagem por meio do ensino, da disseminação dos museus - as casas da cultura, mas não! Mas não! Aprender uma língua, aprender a resolver uma função elíptica, não é nada divertido. São coisas que só se aprendem com o suor da alma. A maior parte das pessoas dizem: “Mas porquê? O que é que isso me adianta?”

P - Isso quer dizer que você pensa que Diderot, que dizia que era necessário apressarmo-nos a tornar a filosofia popular, ou Brecht, que dizia que era necessário alargar o círculo dos conhecedores, se enganaram redondamente? Que as suas afirmações são votos piedosos, voluntaristas? Enganaram-se?

R - Muito redondamente. As palavras fast food invadiram tudo, os McDonald´s e os Kentucky Fried Chicken do espírito humano levam a melhor por um milhão contra um sobre a cultura. Com que direito? É aqui que a questão se torna realmente difícil e política.

P - Podes ensinar a Arte?

R - Com que direito podemos tentar forçar um ser humano a assumir um nível mais elevado nas suas alegrias e nos seus gostos? Quanto a mim, creio que ser professor é apossar-se desse direito. Não se pode ser professor sem se ser interiormente um déspota, sem se dizer: “Vou-te fazer gostar de um texto belo, de uma música bela, de altas matemáticas, de História, de filosofia.” Mas, atenção, a ética desta esperança é muito ambígua.
Conhecemos tantos grandes artistas, totalmente abjectos na sua vida pessoal!

P - Quais são os perigos da inércia? Vês muito disso no mundo da Arte e no mundo académico?

R - O animal humano é muito preguiçoso, provavelmente muito primitivo nos seus gostos, ao passo que a cultura é exigente, é cruel, por força do trabalho que reclama.

P - Estás cansado do rótulo de Enfant Terrible?

R - Há a expressão americana muito simples “bottom line”: o traço final, aquilo que não se pode ultrapassar.
Mas devemos ter a coragem de nos matarmos, sejam quais forem as circunstâncias.

P - O ensino e a práctica, na tua opinião, são actividades distintas?

R - ....