A grande interrogação proposta é se poderá haver uma presunção de que há qualquer coisa para ensinar, para transmitir, no que à arte diz respeito.

A decisão de, pelo menos, tentar manter as incoerências próprias de um diálogo deste género feito em conjunto é a única justificação para o título do espectáculo, mesmo que estas incoerências se percam depois de cada um dizer o que pensa.

São estes momentos de incoerência que são o centro da discussão. São opiniões directas atiradas à cara do investimento de sentido que cada um faz e que está permanentemente sujeito a mudanças, um processo que se opera através do colapso do investimento dos outros.

Entre concordância e discordâncias o que se tenta enfatizar, talvez apenas simbolicamente, é mesmo uma mudança. Uma mudança visível inserida dentro da certeza que é necessária para passar conhecimento artístico.

Ch-ch-changes, pretty soon now you’re gonna get a little older

David Bowie

27 de abril de 2010

Schlingensief Kowalsky e a Musa Zarolha

UNTITLED #1

(Ideia de uma performance que está a ser preparada no momento)

Ouvem-se as pancadas de Moliére (3 + 7 + 3) produzidas por uma picareta. Entra ESTUDANTE arrastando a picareta pelo chão. Faz “X” no chão com giz. Olha-o. Coloca-se no meio do “X”. Veste uma camisola e tem um gorro que impede que se veja a sua cara.

Música (Primal Scream). Enquanto se ouve o texto na música em inglês, ESTUDANTE diz o mesmo texto em português.

ESTUDANTE
Esta estação de rádio foi chamada Kowalski,
em homenagem ao último herói americano para quem
a velocidade significa liberdade de espírito.
A questão não é quando é que ele vai parar,
mas quem é que o vai parar...

Entra KOWALSKI, arrastando uma cadeira de automóvel. ESTUDANTE começa a construir uma parede.

KOWALSKI
Gutten Tagg! Ich bin Kowalski. (descreve as intenções que tem por estar "aqui" neste momento)

ESTUDANTE
Olha esta parede. O que é que achas disto? É arte? Não é arte?

KOWALSKI
Não estou muito interessado no teu trabalho. Quando sinto que as pessoas têm realmente energia para fazer... Eu realmente preciso de sentir a energia a emanar deles, então faremos coisas juntos. Vamos tomar um café, ver o trabalho deles, andar à porrada, chamar “coninhas” um ao outro e por aí fora. Então aí eu começo a envolver-me com eles. Mas se os estudantes quiserem trabalhar comigo, então têm de vir trabalhar comigo naquilo que eu estiver a fazer.

ESTUDANTE
Agora digo que não quero trabalhar contigo. Que quero ir para o meio da selva, sozinho, à procura da minha prória identidade artística...

KOWALSKY
Ok, vai lá pá selva pá (assim é que é, a pensar pela sua cabecinha é que um gajo lá chega) mas quero-te cá daqui a 6 semanas. Quero ver o que é que andaste lá a fazer. E telefona-me de vez em quando para saber que lá estás.

Vídeo Einsterzeunde Neubauten. ESTUDANTE na Selva .

ESTUDANTE
A natureza quando deu a uma árvore a forma de uma árvore também lhe poderia ter dado a forma de uma colina ou de um animal.
Viva a mentira como último reduto de liberdade.

Enquanto o estudante tem o discurso, Kowalski passa cartazes:
IS THIS ART?
IT´S ART NOW!
NOW IT´S ART!
NOW?
NOW!
IS IT?
IS THIS A...
“MILLION DOLLAR EXPRESSION?”

KOWALSKI
Tem a ver com carisma, com manifestos. Agora chegámos lá! Lê o manifesto. És por mim ou contra mim? Lê-o! Por mim ou contra mim? Um artista tem de lutar pelas suas ideias, tem de lutar por algo ou contra alguma coisa.

ESTUDANTE
(Senta-se na cadeira)
Mas qual é o teu interesse em ensinar? O que é isso para ti? É um alvo, um inimigo... Dizes que não gostas de estudantes porque pensam que estão no caminho para se tornarem em alguma coisa... Parece que há uma arrogância cínica em ti, naquilo que fazes conosco e dizes que somos mal-cheirosos mas... quando... quando é que este cheiro se vai embora? Quando?

KOWALSKI
É mais a atitude, stinky-boy.

ESTUDANTE
Mas como é que eu perco este cheiro?
(Continua com texto da letra primal scream do Vanishing Point)
E lá vai o Chalenger
perseguido pelos maus azuis azuis sobre rodas
Os viperinos carros de patrulha perseguem o nosso viajante solitário, o último herói americano, o centauro elétrico, o semi-deus, o super condutor do oeste dourado
Dois carros de porcos Nazis estão a aproximar-se
(O belo condutor solitário!)
A massa policial está a aproximar-se, a aproximar-se, cada vez mais perto do nosso herói espiritual e do seu veículo espiritual
Eles estão prestes a atacar, eles vão apanhá-lo, esmagá-lo, vão violar o último belo e livre espírito deste planeta.

KOWALSKI
(Começa a tocar “The Crisis” de Ennio Morricone).

(Entramos então na zona de ir chegando ao fim da entrevista de forma fragmentada e com falhas de tempo, numa confusão evidente entre o que se está a passar, se será teatro ou não e, se possível, confundir o real e o ficcional.
Percorremos os momentos da morte do pai, a aprendizagem de que nada se consegue controlar na arte, o telefonema da mãe, até ao fim da entrevista)
Saímos. Música termina.

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